segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Falando francamente - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O ESTADO DE S. PAULO - 01/09/2013

Não é preciso muita imaginação, nem entrar em pormenores, para nos darmos conta de que atravessamos uma fase difícil no Brasil. Mas comecemos pelo plano internacional.

Os acontecimentos abrem cada vez maiores espaços para a afirmação de influências regionais significativas. O próprio "imbróglio" no Oriente Médio, do qual os Estados Unidos saem com cada vez menos influência na região, aumenta a capacidade de atuação das monarquias do Golfo, que têm dinheiro e querem preservar seu autoritarismo, assim como a do Irã, que lhes faz contraponto. A luta entre wahabitas, xiitas e sunitas está por trás de quase tudo. E a Turquia, por sua vez, encontra brechas para disputar hegemonias.

Enquanto isso, nós só fazemos perder espaços de influência na América do Sul. Nossa diplomacia, paralisada pela inegável simpatia do lulopetismo pelo "bolivarianismo", ziguezagueia e tropeça. Ora cedemos a pressões ilegítimas (como a recente da Bolívia, que não dava salvo-conduto a um asilado em nossa embaixada), ora nós próprios fazemos pressões indevidas, como no caso da retirada do Paraguai do Mercosul e da entrada da Venezuela. Ao mesmo tempo fingimos não ver que o "Arco do Pacífico" é um contrapeso a inércia brasileira. Diplomacia e governo sem vontade clara de poder regional, funcionários atordoados e papelões por todo lado - é o balanço.

Na questão energética, que dizer? A expansão das usinas está atrasada e sem apoio real do setor privado, salvo para construir as obras. Os caixas das empresas elétricas quebradas, graças a regulamentações que, mesmo quando necessárias, se fazem atropeladamente e sem olhar para os interesses de longo prazo dos investidores e dos consumidores. A Petrobrás, agora entregue a mãos mais competentes, mergulhada numa incrível escassez de créditos para investir e com o caixa abalado pela contenção do preço da gasolina. O que fora estrepitosamente proclamado pelo presidente Lula, a autossuficiência em petróleo, se esfumou no aumento do déficit das importações de gasolina. Agora, com a revolução americana do gás de xisto, quem sabe onde irá parar o preço de equilíbrio do petróleo para ser extraído do pré-sal?

Na questão da infraestrutura, depois de uma década de atraso nos editais de concessão de estradas e aeroportos, além das tentativas mal feitas, o governo inovou: fazem-se privatizações, disfarçadas sob o nome de concessões, com oferta de crédito barato pelo governo às empresas privadas interessadas. Dinheiro, diga-se, do BNDES (com juros subsidiados pelo contribuinte) e, ainda por cima, o governo se propõe a levar para a empreitada os bancos privados. Sabe-se lá que vantagens terão de lhes ser oferecidas para que entrem no ritmo do PAC, isto é, devagar e mal feito. Nunca se viu coisa igual: concessões que recebem vantagens pecuniárias e nada rendem ao Tesouro, à moda das ferrovias cujos construtores receberiam abonos em dinheiro por quilômetro construído. Só mesmo na Macondo surrealista de Gabriel Garcia Márquez. Espero que, aqui, a solidão de incapacidade executiva e má gestão financeira não dure cem anos...

Se passarmos para a gestão macroeconômica, os vaivéns não são diferentes. A indústria, diziam, não exporta porque o câmbio está desfavorável. Agora tivemos uma megadesvalorização, de mais de 25%. Se nada fizermos para reduzir as deficiências e ineficiências estruturais da economia brasileira, e se o governo não tiver a coragem de evitar que a desvalorização se transforme em mais inflação, o novo patamar da taxa nominal de câmbio de pouco adiantará para a indústria. Antes os governistas se gabavam da baixa de juros ("Ah, esses tucanos, sempre de mãos dadas com os juros altos!", diziam). De repente, é o governo do PT que comanda nova arrancada dos juros. E nem assim aprendem que não é a vontade do governante que dita regras nos juros, mas muitas vontades contraditórias que se digladiam no mercado. Olhar no umbigo, isso não.

Já cansei de escrever sobre esses males e outros mais. Das deficiências no prestar serviços nas áreas de educação, saúde e segurança a mídia dá-nos conta todos os dias. Dos desatinos da vida político-partidária, então, nem se fale. Basta ver o último deles, a manutenção na Câmara de um deputado condenado pelo Supremo e já na cadeia! Não obstante, dada a amplitude dos desarranjos, parece inevitável reconhecer que a questão central é de liderança. Não digo isso para acusar uma pessoa (sempre o mais fácil é culpar o presidente ou o governo) ou algum partido especificamente, embora seja possível identificar responsabilidades. Mas é de justiça reconhecer que o desencontro, o bater de cabeças dentro e entre os partidos, faz mais zoeira do que gera caminhos. Daí que termine com uma pergunta ingênua: será que não dá para um mea culpa coletivo e tentar, mantendo as diferenças políticas, e mesmo ideológicas, perceber que quando o barco afunda vamos todos juntos, governo e oposição, empregados e empregadores, os que estão no leme e os que estão acomodados na popa?

É preciso grandeza para colocar os interesses de longo prazo do povo e do País acima das desavenças e pactuar algumas reformas (poucas, não muitas, parciais, não globais) capazes de criar um horizonte melhor, começando pela partidário-eleitoral (já que o case presidencial nessa matéria não deu certo, como não poderia dar). Se os que estão à frente do governo não têm a visão ou a força necessária para falar com e pelo País, pelo menos a oposição poderia desde já cessar as rixas internas a cada partido e limar as diferenças entre os partidos. Só assim, formando um bloco confiável, com visão estratégica e capaz de seguir caminhos práticos, construiremos uma sociedade mais próspera, decente e equânime.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011


Redigir é pôr ordem no caos

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO*
REDAÇÃO

Fazer associações entre ideias é uma ótima estratégia
para construir um raciocínio

UMA BOA REDAÇÃO de vestibular deve, em primeiro lugar, atender àquilo que estiver sendo proposto pela banca examinadora, ou seja, deve respeitar o tema e a estrutura textual previstos.
Não há fórmulas para escrever, tanto que redações bem diferentes entre si obtêm as melhores classificações nos exames. Há, porém, uma variedade de meios eficientes de realizar um bom texto.
No caso específico da Fuvest, geralmente a proposta de redação motiva uma reflexão de natureza filosófica, o que, para muitos, pode parecer um bicho de sete cabeças.
Diante de temas abstratos, pode o candidato aventurar-se na elaboração de um texto igualmente abstrato ou pode tentar encontrar situações concretas que ilustrem a discussão. Esta última atitude é mais segura, pois o estudante minimiza, assim, o risco de perder a linha de raciocínio.
A reflexão puramente abstrata, isenta de analogias ou ilustrações, requer muita capacidade de organização lógica do raciocínio e embasamento prévio.
É evidente que o aluno já habituado a ler textos críticos tem mais facilidade para compreender esse tipo de tema e estabelecer relações com outras fontes do seu próprio repertório cultural. Fazer associações entre ideias é uma ótima estratégia para construir um raciocínio.
O primeiro passo, porém, é ler a proposta com atenção. Geralmente, a Fuvest apresenta textos de modalidades diferentes e/ou imagens que dialogam entre si. A primeira tarefa do candidato é compreender esse diálogo. Dado esse passo, é preciso mostrar a importância da discussão.
Por que se discute aquilo? Que implicações a discussão tem? A que outra discussão ela remete? É possível relacionar esse assunto com outro? As perguntas podem ajudar a organizar o pensamento e a encontrar um ponto de vista particular, que vai dirigir a linha argumentativa do texto.
A modalidade de texto que o candidato desenvolverá na prova da Fuvest é a dissertação, de resto o gênero textual mais adequado à avaliação da sua capacidade de compreender ideias e de tratar delas criticamente, como se espera de um vestibulando.
Essa estrutura requer um parágrafo introdutório em que se apresente a discussão ao leitor e em que se defina a linha argumentativa do texto. É a primeira oportunidade que tem o redator de revelar um pensamento original.
Abordar o tema de um ponto de vista próprio ajuda a cativar o leitor. Embora sejam características apreciáveis, originalidade e criatividade não podem ser exigidas num exame vestibular. Exigem-se, isto sim, coesão entre as partes do texto e coerência entre as ideias.
"O raciocínio não pode girar em círculos;
tem de progredir até o ponto de chegada,
que é a conclusão do texto."

Encontrar bons argumentos é fundamental para validar a ideia central do texto. Como fazer isso? Exemplificar o que se diz é muito útil numa discussão reflexiva, pois o exemplo torna concreto o que está no plano abstrato. O estabelecimento de relações de causa e efeito é importante não só para provar o que se diz mas também para criar progressão no texto.
O raciocínio não pode girar em círculos; tem de progredir até o ponto de chegada, que é a conclusão do texto.
Outro recurso muito útil, quando o tema permite, é o uso da refutação de argumentos contrários. É importante mostrar que se está ciente de que as próprias ideias constituem um ponto de vista, não a "verdade absoluta". A habilidade de apontar os pontos fracos das ideias contrárias às que se pretende defender é uma poderosa forma de argumentar.
Ponto importante: para redigir bem, é preciso, antes, ser um leitor atento, mas isso, por si só, não basta. É necessário treino constante. O pensamento não surge pronto e organizado. A tarefa de quem escreve é pôr ordem no caos.
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*THAÍS NICOLETI DE CAMARGO é consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL.
thais.nicoleti@grupofolha.com.br